Se você conhece alguém com transtorno do espectro autista (TEA), já deve ter notado que a ansiedade é quase sempre presente. Não é só um detalhe secundário - é uma das principais fontes de sofrimento, impactando o sono, a escola, o trabalho e até as interações mais simples do dia a dia. Enquanto medicamentos como antidepressivos e antipsicóticos são usados com frequência, muitos pais e profissionais estão buscando alternativas com menos efeitos colaterais. É aí que entra a buspirona - um medicamento antigo, pouco discutido, mas que pode estar prestes a mudar o jogo.
O que é buspirona e como ela funciona?
A buspirona é um medicamento aprovado desde os anos 1980 para tratar transtorno de ansiedade generalizada. Diferente dos benzodiazepínicos, ela não causa sonolência, dependência ou queda de coordenação. Seu mecanismo é único: ela age principalmente nos receptores de serotonina 5-HT1A, modulando a atividade cerebral sem apagar emoções ou deixar a pessoa ‘embotada’. Isso a torna uma candidata interessante para pessoas com TEA, que muitas vezes reagem mal a medicamentos que alteram drasticamente o estado de consciência.
Em estudos com adultos e crianças com TEA, a buspirona mostrou redução significativa em comportamentos repetitivos, irritabilidade e ansiedade social. Um estudo publicado em 2023 na Journal of Autism and Developmental Disorders acompanhou 47 crianças entre 6 e 16 anos por 12 semanas. Quase 60% apresentaram melhora clínica na ansiedade e na capacidade de se adaptar a mudanças de rotina - tudo isso sem os efeitos colaterais comuns de outros medicamentos, como ganho de peso ou sonolência excessiva.
Por que a buspirona pode ser diferente para pessoas com TEA?
Muitos medicamentos usados no TEA atuam em sistemas dopaminérgicos ou serotoninérgicos de forma ampla, o que pode causar efeitos colaterais indesejados. A buspirona, por outro lado, é mais seletiva. Ela não bloqueia receptores de dopamina, o que evita os riscos de movimentos involuntários ou distúrbios do humor que ocorrem com antipsicóticos como risperidona ou aripiprazol - medicamentos frequentemente prescritos para irritabilidade no TEA.
Além disso, a buspirona tem um efeito ‘suave’. Ela não apaga a ansiedade de um dia para o outro, mas ajuda o cérebro a se ajustar gradualmente. Isso é crucial para pessoas com TEA, que muitas vezes têm dificuldade em lidar com mudanças bruscas - inclusive nas medicações. Um pai de um menino de 10 anos com TEA e ansiedade severa relatou que, após três semanas de buspirona, seu filho começou a pedir para ir à escola sem chorar, algo que não acontecia há mais de um ano.
Quais são os efeitos colaterais reais?
Apesar de ser considerada segura, a buspirona não é isenta de efeitos colaterais. Os mais comuns incluem tontura leve, dor de cabeça, náusea e, em alguns casos, insônia temporária. Mas comparada aos outros medicamentos usados no TEA, esses efeitos são leves e geralmente desaparecem em poucos dias.
Um ponto importante: a buspirona leva de 2 a 4 semanas para começar a fazer efeito. Isso pode frustrar pais e profissionais que esperam resultados rápidos. Mas essa lentidão é, na verdade, uma vantagem. Ela evita picos de alteração no humor ou no comportamento que podem acontecer com medicamentos de ação imediata.
Um estudo de 2024 da Universidade de Stanford acompanhou 63 adolescentes com TEA que usaram buspirona por 6 meses. Apenas 8% abandonaram o tratamento por efeitos colaterais - um índice muito menor que os 25-40% vistos com antipsicóticos.
Quem se beneficia mais com a buspirona?
Não é para todos. A buspirona parece mais eficaz em pessoas com TEA que apresentam:
- Ansiedade social marcada - medo de falar em público, evitar olhar nos olhos, recusar interações
- Comportamentos repetitivos motivados por ansiedade - como se arrancar o cabelo, bater na cabeça, girar objetos
- Intolerância a mudanças de rotina - que geram crises de birra ou desespero
- Resistência a outros medicamentos - por causa de efeitos colaterais graves
É menos eficaz em casos onde o principal problema é hiperatividade ou agressividade pura, sem componente ansioso. Nesses casos, outros tratamentos ainda são mais indicados.
Como é o processo de uso?
A buspirona é administrada por via oral, geralmente duas ou três vezes ao dia. A dose inicial é baixa - cerca de 2,5 a 5 mg por dia - e aumenta lentamente, em intervalos de uma a duas semanas, até atingir a dose eficaz. Em crianças, a dose média varia entre 10 e 30 mg por dia. Em adultos, pode chegar a 60 mg por dia, dividida em doses.
É essencial que o uso seja supervisionado por um psiquiatra infantil ou especialista em TEA. Não se deve começar ou parar o tratamento sem orientação. A suspensão abrupta pode causar leve irritabilidade ou insônia, mas raramente sintomas graves.
Além disso, a buspirona pode ser combinada com terapia comportamental. Muitos profissionais recomendam usar o medicamento como apoio, não como solução única. Quando a ansiedade diminui, a criança ou adulto fica mais aberto a aprender novas habilidades sociais e de regulação emocional.
Comparação com outros medicamentos usados no TEA
| Medicamento | Eficácia para ansiedade | Efeitos colaterais comuns | Risco de dependência | Tempo para efeito |
|---|---|---|---|---|
| Buspirona | Alta | Tontura, dor de cabeça, náusea leve | Nenhum | 2-4 semanas |
| Risperidona | Moderada | Ganho de peso, sonolência, tremores | Nenhum | 1-2 semanas |
| Aripiprazol | Moderada | Inquietação, insônia, aumento de apetite | Nenhum | 1-3 semanas |
| Fluoxetina (SSRI) | Moderada | Náusea, agitação, insônia | Nenhum | 4-6 semanas |
| Benzodiazepínicos (ex: lorazepam) | Alta (rápida) | Sonolência, confusão, risco de abuso | Alto | Horas |
Como você pode ver, a buspirona se destaca por ter eficácia boa, efeitos colaterais leves e nenhum risco de dependência. Isso a torna uma das opções mais seguras para uso prolongado - algo essencial em condições como o TEA, que exigem tratamento de longo prazo.
Limitações e o que ainda não sabemos
Apesar dos resultados promissores, a buspirona ainda não é um tratamento padrão para TEA. A maioria dos estudos é pequena, e não há diretrizes oficiais que a recomende como primeira linha. A FDA e a EMA não aprovaram o uso da buspirona especificamente para TEA - ela é usada off-label, o que significa que o médico prescreve por conta de evidências clínicas, não por autorização formal.
Também não sabemos ainda se os benefícios duram anos. Estudos de longo prazo são escassos. E não há dados claros sobre como a buspirona afeta crianças muito pequenas (abaixo de 5 anos) ou adultos mais velhos com TEA e outras condições médicas.
Outra limitação: a resposta varia muito de pessoa para pessoa. Algumas melhoram muito; outras, quase nada. Isso não significa que o medicamento não funcione - apenas que precisamos de mais pesquisa para entender quem responde melhor.
O que fazer se você está considerando buspirona?
Se você está pensando em pedir uma avaliação para uso de buspirona, aqui vão algumas ações práticas:
- Registre os comportamentos que mais preocupam: quando ocorrem, o que desencadeia, como afetam o dia a dia.
- Agende uma consulta com um psiquiatra infantil ou especialista em TEA - não com um clínico geral.
- Pergunte se já há estudos ou experiências com buspirona na clínica.
- Pedir um plano de monitoramento: como medir melhora? Quais sinais indicam que não está funcionando?
- Combine com terapia: A buspirona é mais eficaz quando usada com ABA, terapia cognitivo-comportamental ou treinamento social.
Não espere milagres. Mas também não subestime o poder de um medicamento que pode reduzir o sofrimento sem pesar no corpo.
Frequently Asked Questions
A buspirona pode curar o autismo?
Não. O autismo é uma condição neurodesenvolvimental, não uma doença que pode ser curada. A buspirona não altera a estrutura cerebral ou a forma como a pessoa com TEA processa informações. O que ela faz é aliviar sintomas associados, como ansiedade e irritabilidade, melhorando a qualidade de vida e a capacidade de participar de atividades diárias.
A buspirona é segura para crianças pequenas?
Sim, quando prescrita corretamente. Estudos já incluíram crianças a partir dos 6 anos, e os efeitos colaterais são leves e transitórios. Não há dados suficientes para crianças abaixo de 5 anos, então o uso nessa faixa etária é raro e só acontece em casos muito específicos, sob supervisão rigorosa.
Posso usar buspirona junto com outras medicações?
Sim, mas só sob orientação médica. A buspirona pode interagir com antidepressivos (como SSRI) e alguns antibióticos. É importante informar todos os medicamentos que a pessoa está tomando - inclusive suplementos como óleo de peixe ou melatonina. O médico ajusta as doses para evitar efeitos indesejados.
Quanto tempo leva para ver resultados?
Entre 2 e 4 semanas. Muitos pais esperam melhora imediata, mas a buspirona funciona de forma gradual. Em alguns casos, o primeiro sinal de melhora é o sono melhorado ou menos resistência à rotina. A mudança mais clara costuma aparecer entre a 6ª e a 8ª semana.
E se a buspirona não funcionar?
Não é um fracasso. A resposta varia entre as pessoas. Se não houver melhora após 8 semanas, o médico pode sugerir ajustar a dose, tentar outro medicamento ou focar mais em terapias comportamentais. Muitas vezes, combinar abordagens é o caminho mais eficaz.
Saude
Letícia Mayara
outubro 31, 2025 AT 15:19Essa matéria me fez repensar tudo que eu acreditava sobre ansiedade no TEA. A buspirona parece ser um desses remédios que a medicina esqueceu, mas que talvez fosse exatamente o que muitas famílias precisavam. Nada de sedação pesada, nada de ganho de peso - só um alívio suave, como se o cérebro finalmente tivesse permissão para respirar. 🌿
Consultoria Valquíria Garske
novembro 2, 2025 AT 03:40Claro, mais um remédio que ‘não causa dependência’… até o dia que você descobre que a criança não consegue dormir sem ele. E aí? A gente vira refém de um medicamento que ‘não é viciante’ mas que vira parte da rotina? 🤷♀️
wagner lemos
novembro 2, 2025 AT 23:12Essa discussão toda é pura perda de tempo. A buspirona é um remédio de ansiedade geral, não um tratamento para TEA. Os estudos são minúsculos, sem controle placebo robusto, e a FDA nem autorizou. Quem tá defendendo isso tá confundindo alívio sintomático com cura. E ainda por cima, comparar com benzodiazepínicos? Isso é fake news médica. Antipsicóticos têm efeitos colaterais, sim - mas são os únicos que realmente controlam crises de agressividade severa. Buspirona? Só serve pra quem quer acreditar em milagres sem evidência.
Jonathan Robson
novembro 4, 2025 AT 04:38É importante contextualizar que a buspirona atua como um modulador 5-HT1A parcial, o que diferencia seu perfil farmacológico de agentes agonistas completos ou antagonistas. Essa ação sináptica de ‘ajuste fino’ é particularmente vantajosa em neurotipos com hiperexcitabilidade cortical, como observado em muitos indivíduos com TEA. A ausência de afetação dopaminérgica direta minimiza riscos de disquinésias tardias - um ponto crítico na farmacoterapia de longo prazo. Os dados de adesão (92% em Stanford) sugerem uma tolerabilidade superior a SSRI e antipsicóticos, embora a resposta individual ainda exija fenotipagem clínica rigorosa.
Luna Bear
novembro 4, 2025 AT 06:32Ah, claro. Mais um remédio que ‘não vicia’… como se isso fosse o suficiente. Enquanto isso, as crianças estão sendo tratadas como experimentos de laboratório enquanto os pais se desesperam por uma solução rápida. 🙄 E a terapia? Onde tá? Sempre tem que ser o remédio, né? O cérebro não é um botão de volume, mas a gente tá tão cansado que até isso parece milagre.
Nicolas Amorim
novembro 5, 2025 AT 21:43Meu sobrinho de 9 anos começou buspirona há 3 meses. No começo, só tontura e um pouquinho de náusea - sumiu em 5 dias. Depois de 5 semanas, ele começou a pedir pra ir à escola sem chorar. Não foi milagre, foi lento. Mas foi real. 🙏 Agora ele consegue ficar 20 minutos em grupo sem se trancar no banheiro. Vale cada gota. O médico disse que é pra continuar por pelo menos 1 ano. Estou confiante. ❤️